terça-feira, 31 de maio de 2016

Por que há tanta tireoide lenta por aí

Por que há tanta tireoide lenta por aí
Excesso de sal, uso de remédios, poluição, estresse... Investigamos o que faz a glândula em formato de borboleta entrar em parafuso, situação cada vez mais comum hoje.
 
A presença de borboletas no estômago é um dos sinais clássicos da paixão. Os poetas encontraram no farfalhar de asas a metáfora perfeita para aquele rebuliço abdominal comum ao bater os olhos na pessoa amada. Mas, se fôssemos mais precisos (e um pouco menos literários) em matéria de corpo humano, teríamos de dizer que uma borboleta pousaria mesmo em outro órgão. Lá na região da garganta. É ali que fica a tireoide, glândula com o formato do inseto que orquestra o funcionamento do organismo — e influencia, inclusive, nossas emoções.

Foi pensando em resguardar a tireoide que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, mandou reduzir o teor de iodo do sal de cozinha. As taxas, que antes ficavam entre 20 e 60 miligramas por quilo, precisaram se adaptar à faixa, de 15 a 45 miligramas. O corte, segundo a entidade, teve a ver com o aumento de casos de hipotireoidismo, distúrbio que prejudica a produção dos hormônios pela glândula. "A doença desacelera o metabolismo, gerando fadiga, sonolência, depressão e raciocínio vagaroso. E o iodo em excesso é um gatilho para o seu surgimento", diz a endocrinologista Roberta Frota, do Hospital Nove de Julho, em São Paulo. A Anvisa resolveu agir com base em estatísticas preocupantes: o brasileiro consome, em média, 12 gramas de sal todos os dias. "É um exagero se considerarmos a recomendação da Organização Mundial da Saúde, de apenas 5 gramas", contextualiza Paula Bernadete Ferreira, especialista em regulação e vigilância sanitária da agência.

O abuso do condimento nas refeições elevou, por sua vez, a porção de iodo no prato dos cidadãos. "A iodação do sal foi calculada pensando em uma dieta de 9 gramas diárias de sal e está, portanto, defasada. Essa resolução da Anvisa não poderia ter sido mais adequada", elogia o endocrinologista Geraldo Medeiros, professor sênior da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Na época de sua aprovação, a medida, porém, dividiu opiniões. A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia criticou a regra. "O foco deveria estar na quantidade de sal que o brasileiro ingere", analisa a endocrinologista Gisah Amaral, vice-presidente do Departamento de Tireoide da sociedade. "Ainda nos causa mais preocupação a falta de iodo, que pode trazer complicações, principalmente na gestação e nos primeiros anos de vida", justifica.

Nem só o iodo deixa a tireoide lenta. Os cientistas possuem uma lista de suspeitos envolvidos nessa história. "Ainda não está totalmente demonstrada a relação entre hábitos e componentes químicos com o hipotireoidismo", ressalva Medeiros. Mas não faltam estudos procurando evidências sobre seu papel no colapso da glândula. Uma investigação, por exemplo, procurou estabelecer o impacto da poluição na tireoide. A pesquisa, da Faculdade de Medicina do ABC, na Grande São Paulo, acompanhou mais de 6 mil pessoas durante 15 anos. Elas foram divididas em dois grupos. O primeiro morava perto de um parque industrial petroquímico, enquanto o segundo habitava uma área residencial menos poluída. Em 1992, cerca de 2% dos indivíduos que viviam nas cercanias das fábricas — e travavam contato com poluentes — tinham hipotireoidismo. Em 2001, a quantidade de pessoas com a mesma doença nessa região subiu para 57%. Já na área com menos sujeira no ar, as taxas não tiveram modificações tão gritantes. "É como se a tireoide não soubesse se proteger dos agentes químicos e, ao tentar reagir, prejudicasse a si mesma", ensina a neuroendocrinologista Maria Angela Zaccarelli, autora do trabalho.

Se poluentes disparariam distúrbios na glândula em pessoas predispostas, o que dizer de remédios e produtos de limpeza? "Alguns medicamentos, como xaropes expectorantes, contêm iodo. E o mesmo vale para certos desinfetantes que, em contato com a pele, podem passar o mineral para o organismo", alerta a endocrinologista Tania Furlanetto, da Universidade Federal do Rio Grande o Sul. Nesses casos, a saída é consultar o médico e, na hora de limpar a casa, investir em luvas.

Potes plásticos e panelas antiaderentes também geram polêmica. "Existe uma suspeita de que esses utensílios soltariam compostos tóxicos que atingem a tireoide", desconfia o endocrinologista Luciano Giacaglia, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na capital paulista. Outro inimigo em potencial se esconde sob a vida conturbada das grandes cidades. "Toda vez que o corpo passa por um estresse, há uma resposta do sistema imune, que pode afetar a glândula", especula Giacaglia. Enquanto a ciência levanta dados para bater o martelo, convém relaxar e, como sugerem pesquisas recentes, tentar escapar da poluição e maneirar no sal. Tudo para a borboleta continuar na ativa, isto é, fabricando seus hormônios.

Se hoje é farto, ontem faltava

A deficiência de iodo foi um grave problema de saúde pública no século 20. A carência do mineral estava por trás do bócio, um inchaço na região da garganta, e até retardo mental em bebês. Embora a iodação do sal no Brasil para mudar esse panorama tenha começado nos anos 1950, a primeira lei nacional sobre o assunto é de 1995. E os resultados são incontestes: os casos de bócio em crianças caíram de 20,7% em 1955 para 1,4% em 2000.

Nas asas do equilíbrio

A dosagem correta de iodo é um dos fatores mais importantes para manter uma tireoide saudável
Nem demais...
A tireoide usa o iodo para produzir os hormônios T3 e T4. Se a substância está em excesso, o órgão sofre um processo de inflamação. O sistema imunológico manda anticorpos para a região, que acabam atacando a própria glândula.
...Nem de menos
Se o iodo escasseia, a tireoide não tem matéria-prima para fabricar a dupla hormonal. Na tentativa de compensar a baixa produção, ela cresce de tamanho. A deficiência está relacionada a casos de bócio e problemas de desenvolvimento na infância.

Nódulo de tireoide na ponta da agulha

Novo método, ainda em fase de testes, elimina essas formações sem deixar cicatriz no pescoço
O surgimento de massas tumorais na glândula costuma incomodar, seja por questões estéticas, seja por problemas funcionais. Para retirar esses nódulos hoje, é preciso passar por uma cirurgia que deixa uma cicatriz na garganta. Mas um equipamento ainda sob estudos no Brasil promete resolver o problema com mais comodidade. "Introduzimos uma agulha bem fina na região do pescoço. Ela é guiada por ultrassom e emite um raio laser sobre os nódulos", explica o radiologista intervencionista Rodrigo Gobbo, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, pioneiro no uso da técnica. Esse laser queima a formação defeituosa, que então diminui e é eliminada pelo organismo.

Fonte: Revista saúde

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