terça-feira, 24 de setembro de 2013

De olho na dose: saiba o que é farmacogenética

A farmacogenética é a nova aposta da ciência para melhorar a eficácia dos medicamentos e driblar os indesejados efeitos colaterais, que nem sempre são fáceis de prever.

 Imagine a cena: você vai à farmácia, pede um remédio e o profissional ali presente acessa o seu código genético. De olho no seu DNA, ele descobre como o seu corpo irá reagir a determinadas substâncias, avalia qual a melhor opção de medicamento e indica a dose exata que você precisa tomar. Depois de alguns dias, o tratamento funciona que é uma beleza e, o melhor de tudo, sem efeito colateral algum. Parece ficção científica, mas isso está mais perto de acontecer do que você imagina. E o mérito vem da farmacogenética, uma nova área de pesquisa que promete revolucionar o modo como tratamos as doenças. “A farmacogenética busca individualizar a indicação de medicamentos, ou seja, tenta aumentar a chance do paciente de apresentar uma melhora com o tratamento e reduzir a chance da manifestação de efeitos colaterais”, explica Renan Pedra de Souza, professor de Genética e Evolução na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). As pesquisas nessa área começaram nos anos 1950 e, de lá pra cá, os cientistas tentam descobrir como pessoas dotadas de diferentes características genéticas respondem aos mais diversos tipos de medicamentos. “Como os indivíduos são diferentes entre si, pode haver a necessidade de uma pessoa precisar de uma dosagem um pouco maior ou um pouco menor de determinado medicamento”, explica Pedra de Souza. “A utilização deste tipo de informação tem o potencial de acelerar o processo de cura”, diz o especialista em genética.

Na justa medida

Um exemplo de pesquisa em farmacogenética envolve o uso da varfarina, um anticoagulante recomendado para prevenir a trombose. Se o paciente tem alterações em dois genes (CYP2C9 e VKORC1) e receber uma dose incorreta dessa substância, logo no início do tratamento, das duas uma: ou ela será inócua, ou poderá piorar o quadro. Há muitas outras pesquisas envolvendo toda a sorte de medicamentos e, no futuro, elas podem ter um impacto positivo especialmente na rotina de pacientes que precisam constantemente de medicação. “Para pacientes em uso crônico de medicamento, tal ajuste tem um potencial ainda maior de impacto na qualidade de vida seja por controlar melhor a doença seja por evitar um efeito colateral”, afirma Renan. E por falar nos genes CYP, é bom lembrar deles, pois é justamente para essa turma que boa parte dos pesquisadores está mirando os microscópios. Isso porque eles possuem enzimas responsáveis por metabolizar a grande maioria dos fármacos que utilizamos. Se esses genes têm alguma alteração, a dose tradicionalmente indicada na bula pode não funcionar ou aumentar a chance de efeitos indesejados.


Como seria o dia a dia

Para usufruir dos avanços da farmacogenética, o primeiro passo é ter em mãos o rastreamento genético do paciente. Já existem até laboratórios que fazem isso. Esses dados são então cruzados com as fórmulas de diversos medicamentos, para saber como o corpo de uma pessoa irá reagir a determinadas substâncias. Uma vez feito isso, é mais fácil para o médico prever como o paciente vai responder a determinados tratamentos e, a partir desses dados, ajustar a dose de acordo com o código genético de cada indivíduo. Não seria incrível? No futuro, esperasse que esse detalhamento dos genes esteja na ficha de cada paciente, para que o médico possa ter acesso a ele durante a consulta e na hora de prescrever um determinado tratamento. Outro impacto da farmacogenética, lá na frente, seria na posologia que vemos nas bulas — essa teria de mudar, de modo a incluir grupos de indivíduos com características genéticas específicas. A maneira de testar medicamentos e avaliar a dosagem básica também teria de, mais adiante, ser adaptada em consequência dos avanços dessa nova especialidade da área da saúde.

Isso não é milagre

É bom que fique claro que não são apenas os genes que determinam a forma como vamos reagir a alguns medicamentos. Fatores como peso, idade e sexo, além do estado da nossa saúde, também influenciam na resposta do organismo ao tratamento de doenças. Uma pessoa com hipertensão ou problemas hepáticos, por exemplo, precisará de dosagem diferente de um dado remédio para tratar o mesmo sintoma que afeta um adulto saudável. E o mesmo cuidado em adaptar as doses vale para crianças, gestantes e idosos. Outro detalhe que muita gente deixa passar despercebido e que tem uma importância crucial: tomar remédios sem orientação médica ou não respeitar a dosagem indicada pelo médico. “Um erro de dosagem pode acarretar a morte de uma pessoa, causar efeitos tóxicos ou então o medicamento nem sequer irá fazer efeito, por isso, é tão importante evitar a automedicação e seguir exatamente o que o médico ou farmacêutico indicaram”, explica Geraldo Alécio, coordenador do curso de Farmácia na Universidade Anhembi Morumbi (SP). Enquanto o futuro não chega, a saída é respeitar as doses recomendadas pelos médicos, e também relatar quaisquer suspeitas de efeito colateral. E é a partir desse retorno, fornecido pelo paciente ao médico ou farmacêutico quando utiliza um medicamento, que novas pesquisas podem ser feitas e a ciência pode encontrar maneiras cada vez mais eficientes de cuidar da saúde do nosso corpo.

Como o medicamento chega até você?

Demora dez, vinte anos ou até mais tempo para um remédio chegar ao mercado. Segundo o farmacêutico Geraldo Alécio, coordenador do curso de Farmácia na Universidade Anhembi Morumbi (SP), são realizados experimentos em animais com características fisiológicas semelhantes as dos humanos. Em seguida, passa-se para os testes em pessoas. Esses são sempre adultos e saudáveis. “Geralmente, essa fase da pesquisa é realizada em vários países, para que se avaliem as reações de acordo com as raças”, explica. Os cientistas avaliam, ao longo destes testes, qual a dose correta e segura que deve ser prescrita para que o medicamento faça efeito sem se tornar tóxico. “Se o princípio ativo permanece no corpo por doze horas, quando o medicamento for lançado, a recomendação será a de tomar a medicação de doze em doze horas; se o corpo elimina o medicamento em oito horas, a recomendação será a de utilizá-la a cada oito horas, e assim por diante”, diz Alécio. Por isso, só com o tempo e a partir dos relatos de reações colaterais, é que a fórmula de um medicamento vai sendo ajustada e as doses recomendadas podem ser modificadas para grupos específicos. A esse processo se dá o nome de janela terapêutica.


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